domingo, 27 de março de 2011

Intermezzo

Sentado a frente do Portão de Brandemburgo, em uma Berlin fria e longe de tudo e de todos, eu aproveito os fracos raios de um sol que mais brilha que esquenta. No mesmo lugar onde há quase um mês atrás eu chegava pela primeira vez, maravilhado, em êxtase puríssimo, e de onde eu nunca imaginaria as coisas que a mim iriam acontecer. É aqui que eu me deparo mais uma vez com a felicidade clandestina muito bem descrita um dia por Clarice Lispector. E é assim que eu começo a entender a minha vida.
Já li esse conto mais de cem vezes, e cada vez que leio ele me faz mais sentido. Eu me identifico cada vez mais. Algumas vezes me confundo, não sei se é Clarice que escreve ou sou eu que sinto. Nunca foi fácil, e eu tenho a imensa impressão que nunca será. Nunca nada será fácil pra mim. A felicidade, ela sempre vai ser clandestina na minha vida.
Não posso reclamar, seria injusto da minha parte se o fizesse. Eu sempre tive o que quis, nunca um desejo me faltou. Mas ele sempre veio quebrado, ou pelo menos diferente. Sempre veio torcido. Distorcido. Eu já tentei lutar contra isso, já tentei ser e fazer diferente. Mas algumas coisas são muito fortes, algumas coisas nunca vão mudar. Não importa o quanto eu queira, não importa o quanto eu tente. E serei sempre refém de uma felicidade complicada, impossível, inalcançável. Life is not fair.
"Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. (...) Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte"com ela ia se repetir com meu coração batendo. (...) Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. (...) Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada."

Não, não preciso dizer mais nada.

Um comentário:

  1. ou talvez a felicidade q vc procura não seja real, talvez desistir dela e aceitar uma felicidade q se encontra na sua frente seja um processo mais lógico

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