quarta-feira, 10 de março de 2010

Um futuro provável

O encontro

Ela o encontrou pensativo em frente aos vinhos importados. Quis virar, mas era tarde, o carrinho dela parou junto ao pé dele. Ele a encarou, primeiro sem expressão, depois com surpresa, depois com embaraço, e no fim os dois sorriram. Tinham estado casados seis anos e separados, um, e aquela era a primeira vez que se encontravam depois da separação. Sorriram, e ele falou antes dela; quase falaram ao mesmo tempo.
- Você está morando por aqui?
- Na casa do papai.
Na casa do papai! Ele sacudiu a cabeça, fingiu que arrumava alguma coisa dentro do seu carrinho – enlatados, bolachas, muitas garrafas – tudo para ela não ver que ele estava muito emocionado.
Soubera da morte do ex-sogro, mas não se animara a ir ao enterro. Fora logo depois da separação, ele não tivera coragem de ir dar condolências formais à mulher que, uma semana antes, ele chamara de vaca. Como era mesmo que ele tinha dito? “Tu és uma vaca sem coração!”. Ela não tinha nada de vaca, era uma mulher esbelta, mas não lhe ocorrera outro insulto. Fora a última palavra que ele lhe dissera. E ela o chamara de farsante. Achou melhor não perguntar pela mãe dela.
- E você? – perguntou ela ainda sorrindo.
Continuava bonita.
- Tenho um apartamento aqui perto.
Fizera bem em não ir ao enterro do velho. Melhor que o primeiro encontro fosse assim, informal, num supermercado, à noite. O que ela estaria fazendo ali àquela hora?
- Você sempre faz compras de madrugada?
Meu Deus, será que ela vai tomar a pergunta como ironia?
Esse tinha sido um dos problemas do casamento, ele nunca sabia como ela ia interpretar o que ele dizia. Por isso, ele a chamara de vaca, no fim. Vaca não deixava dúvidas de que ele a desprezava.
- Não, não. É que estou com uns amigos lá em casa, resolvemos fazer alguma coisa para comer e não tinha nada em casa.
- Curioso, eu também tenho gente lá em casa e vim comprar bebidas, patê, essas coisas.
- Gozado.
Ela dissera uns amigos. Seria alguém do seu tempo? A velha turma? Ele nunca mais vira os antigos amigos do casal. Ela sempre fora mais social do que ele. Quem sabe era um amigo? Ela era uma mulher bonita, esbelta, claro que podia ter namorados, a vaca.
E ela estava pensando: ele odiava festas, odiava ter gente em casa. Programa, para ele, era ir para casa do papai jogar buraco. Agora tem amigos em casa. Ou será uma amiga? Afinal, ele ainda era moço... Deixara a amiga no apartamento e viera fazer compras. E comprava vinhos importados, o farsante.
Ele pensou: ela não sente minha falta. Tem a casa cheia de amigos. E na certa viu que fiquei engasgado ao vê-la, pensa que eu sinto a falta dela. Mas não vai ter essa satisfação, não senhora.
- Meu estoque de bebidas não dura muito. Tem sempre gente lá em casa – disse ele.
- Lá em casa também é uma festa atrás da outra.
- Você sempre gostou de festas.
- E você, não.
- A gente muda né? Muda de hábitos...
- Tou vendo.
- Você não me reconheceria se viesse viver comigo outra vez.
Ela, ainda sorrindo.
- Deus que me livre.
Os dois riram, era um encontro informal.
Durante seis anos tinham se amado muito. Não podiam viver um sem o outro. Os amigos diziam: Esses dois, se um morrer o outro se suicida.Os amigos não sabiam que havia sempre uma ameaça de mal-entendido entre eles. Eles se amavam mas não se entendiam. Era como se o amor fosse mais forte, porque substituía o entendimento, tinha função acumulada. Ela interpretava o que ele dizia, ele não queria dizer nada.
Passaram juntos pelo caixa, ele não se ofereceu para pagar, afinal era com a pensão que ele lhe pagava que ela dava festas para uns amigos. Ele pensou em perguntar pela mãe dela, ela pensou em perguntar se ele estava bem, se aquele problema do ácido úrico não voltara, começaram os dois a falar ao mesmo tempo, riram, depois se despediram sem dizer mais nada.
Quando ela chegou em casa ainda ouviu a mãe resmungar, da cama, que precisava acabar com aquela história de fazer as compras de madrugada, que ela precisava ter amigos, fazer alguma coisa, em vez de ficar lamentando o marido perdido. Ela não disse nada. Guardou as compras antes de ir dormir.
Quando ele chegou no apartamento, abriu uma lata de patê, o pacote de bolachas, abriu o vinho português, ficou comendo e bebendo sozinho, até ter sono e aí foi dormir.
Aquele farsante, pensou ela, antes de dormir.
Aquela vaca, pensou ele, antes de dormir.

Refeências:
Luis Fernando Veríssimo
As comédias da vida privada - 101 crônicas escolhidas.
7a. Edição - L & PM, Porto Alegre, 1994.
Páginas 55 a 57

quinta-feira, 4 de março de 2010

Porque eu saí da minha cama hoje mesmo?

Tenho várias respostas plausíveis para essa pergunta, mas nenhuma delas sequer se aproximaria da verdade. E é por isso que continuo me perguntando o porquê de eu ter aberto os meus olhos hoje de manhã. Chovia uma chuva fina, até a Serra do Curral ficou escondida debaixo do edredon. E daí que eu chego a UFMG para uma reunião chata, onde todo mundo fala as mesmas coisas e ninguem tá nem aí um pro outro. Muito, mas muito sem propósito. Nada de anormal.
Estou azedinho, chatinho, sem graça, com preguiça, desestimulado, desanimado. É passageiro, amanhã eu acordo novo e pronto pra outra. Mas até amanhã ainda demora um tempinho bom.
Tempo bom, sol e calor na parte da tarde. O casaco verde da Adidas passou de um conforto para um peso. Faz calor, e não são nem 15km de distância do lugar onde estava frio hoje de manhã - minha cama. Como eu queria estar agora na minha cama, ouvindo Michele roncar, chorar e se coçar. Assistindo BBB e jogando Super Mario World. Tomando Coca Zero e comendo biscoito Passatempo. Sumir por algumas horas, to sonhando com isso...

Agora acorda, Bê. Sua aluna de especialização está chegando e vocês tem uma monografia pra terminar!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Quando tudo começa numa segunda-feira...

Segunda é um dia importante. É o dia mundial de começar todos os projetos, o dia mundial do mal humor, o dia mundial da ressaca, o dia mundial de querer ficar na cama até mais tarde, o dia mundial de enrolar no trabalho (e eu poderia ficar aqui até a próxima segunda). A minha segunda começou chuvosa e atrasada, pulei da cama as 10 da manhã. 10 da manhã era a hora que eu deveria chegar na UFMG, mesmo assim combinado com minha (des)orientadora fazendo cara feia. E ainda assim eu chego atrasado - as vezes eu acho que não tenho muita noção do perigo. Por sorte ela, a orientadora, também deu o TGM na segunda-feira. Ótimo, uma desculpa a mais nos meus arquivos.
O dia começou preguiçoso, a dieta prometida também começou preguiçosa. Não foi uma daquelas segundas onde a gente acorda acreditando que vai mudar o mundo. Foi uma segunda preguiçosa, onde até a Michele demorou pra sair da cama. Mas algumas coisas começaram a acontecer. Começou, por assim dizer, o trabalho nos bastidores. Boas notícias sopraram por esses lados. Nada demais que deva ser contado aqui em primeira mão - bastidores, como disse.
Ouvi boas notícias e recebi ótimas dicas. E o principal: comecei a traçar os caminhos a seguir. Como se desse início a uma contagem regressiva. Não de 10, mas de mil ou ainda mais. Uma contagem que demora, que ainda vai parar algumas vezes para rever um ou outro detalhe técnico. Mas o importante é que ela começou, agora pra valer. E espero que seja sem volta.
Hoje foi o primeiro passo. Tímido, pequeno, preguiçoso. Mas agora, definitivamente, caminho. Peguei o caminho de casa.